“Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial.” A célebre frase da canção de Caetano Veloso ilustra bem o cenário geopolítico atual, marcado por incertezas, rupturas e uma redefinição da globalização.
Essa foi a tônica da live “Perspectivas Macroeconômicas: possíveis impactos das tarifas impostas pelo governo Trump”, promovida na quinta-feira (8) pela EQI Asset, gestora da EQI Investimentos. Conduzida por Stephan Kautz, economista-chefe da casa, a conversa abordou os impactos das transformações globais nos investimentos e nos rumos econômicos do Brasil e do mundo.
Como investir na nova ordem mundial: fim da integração global
Segundo Kautz, um processo de desglobalização vem se intensificando desde o primeiro mandato de Donald Trump, embora já tivesse seus primeiros sinais no governo de Barack Obama.
A nova configuração do comércio internacional marca um afastamento das instituições multilaterais criadas no pós-Segunda Guerra — como ONU, Otan, FMI, OMC e União Europeia — que promoviam a integração econômica e a estabilidade geopolítica.
“Estamos vivendo um momento importante geopolítico e econômico, que terá efeitos pelos próximo 5 a 10 anos para os investidores”, explica.
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“Desde a Segunda Guerra, tínhamos economias interconectadas, como uma maneira, inclusive de evitar guerras. Porque quanto mais você precisa do seu vizinho, menos você quer conflito com ele. Tínhamos regras claras e instituições claras. Democracia e integração econômica mantendo essa conexão. Agora, ninguém sabe bem ao certo qual é a nova ordem”, pondera.
Os EUA vêm se mostrando cada vez mais protecionistas, diz, com restrições comerciais e migratórias, enquanto a China, excluída dos principais fluxos comerciais americanos, buscará novos mercados.

“Um efeito de curto prazo da guerra comercial é que a China vai acabar vendendo mais para o Brasil e para a Europa. E, em um primeiro momento, isso vai ajudar a baixar a inflação nesses países. Mas, em um segundo momento, isso vai gerar pressão sobre a indústria local e culminar em diversos países impondo taxas para se proteger”, explica Kautz.
Estagflação à vista nos EUA
O economista destaca que a economia americana vive atualmente sob o risco da estagflação: desaceleração do crescimento com aumento da inflação.
A inflação deve ser impactada tanto pela política imigratória quanto pelas tarifas de Trump.
“Os EUA terão falta de mão de obra e insumos mais caros para a indústria, que usa plástico, autopeças e aço, por exemplo, vindos da China, do México e do Canadá”, explica.
“É a receita da estagflação. E o Federal Reserve (Fed) está entre a cruz e a espada”, afirma, lembrando que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, falou sobre isso na última coletiva de imprensa realizada após a decisão do Fed de manter os juros entre 4,25% e 4,50% pela terceira vez.
“Powell falou 22 vezes a palavra ‘wait’, porque ele precisa esperar por dados antes de tomar qualquer decisão”, enfatiza.
A curva de juros americana precifica atualmente três cortes de 25 pontos-base na taxa de juros até o fim de 2025, mas, diante da incerteza inflacionária, essa expectativa pode ser adiada.
“O viés é de um Fed parado por ainda mais tempo. E o mercado tende a corrigir essa expectativa, com realização na bolsa americana”, aponta.
Impactos para o Brasil
No Brasil, o cenário externo age atualmente como um fator adicional de uma desaceleração econômica já em curso graças ao aumento de juros.
A EQI Asset projeta crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,10% em 2025 e inflação de 5,5% neste ano, com recuo para 4,5% em 2026 — ainda acima da meta de 3% do Banco Central.
Kautz enfatiza que o Banco Central brasileiro se aproxima do fim do ciclo de alta de juros, como sinalizou na última decisão do Copom – quando subiu a Selic para 14,75%. Mas que o início de um afrouxamento monetário só deve ocorrer em 2026.
“O mercado começa a cogitar um corte em dezembro, mas acho precipitado. O BC vai manter o discurso duro até ter certeza de que a inflação caminha mesmo para a meta 3%”, avalia Kautz.
Valorização do dólar: câmbio a R$ 6 até dezembro
Em sua visão, a tendência agora é de valorização do dólar, com o diferencial de juros que irá se desenhar entre EUA e demais países.
Isso porque as demais economias terão queda de juros com desaceleração econômica e queda da inflação, enquanto EUA terão desaceleração econômica com inflação alta, o que tende a deixar os juros americanos altos por mais tempo. Isso deve pressionar as demais moedas, como o real, com taxa de câmbio se aproximando de R$ 6 até o fim do ano, em sua projeção.
Afinal, como investir com a nova ordem mundial?
Diante de um cenário mais volátil e incerto, Kautz defende uma mudança na mentalidade do investidor.
“Tem que olhar para o médio prazo em um mundo mais volátil. E saber qual é o objetivo do investimento, para evitar aquele sentimento de ‘tô rico, tô pobre’ em momentos de grande oscilação”, indica.
Entre as estratégias recomendadas estão:
- Diversificação geográfica: “Não dá mais para comprar S&P infinitamente”, diz Kautz. Para ele, os Exchange Traded Funds (ETFs) internacionais, com exposição além os EUA, são alternativas interessantes. Gestoras como BlackRock e JP Morgan já sinalizam boas oportunidades no Reino Unido e na China, por exemplo.
- Alocação temática: Setores como saúde (devido ao envelhecimento populacional), defesa (em um mundo mais instável), inteligência artificial (com players globais como DeepSeek, da China) e commodities devem se beneficiar nesse novo contexto.
- Liquidez e renda fixa: Ter reserva em ativos líquidos é fundamental para poder aproveitar oportunidades de quedas de bolsas. A renda fixa continua sendo a base da carteira em tempos turbulentos.
- Proteção com ouro: Mesmo com os preços atuais elevados, o ouro segue como recomendação para composição de portfólio. “Num mundo incerto, faz todo sentido ter proteção em ouro.”
Trade da eleição no radar
A política também entra no radar dos investidores até o final do ano. No Brasil, a eleição de 2026 será determinante e o mercado já começa a montar o chamado “trade da eleição“.
Kautz acredita que, se for candidato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve garantir uma vaga no segundo turno, mas que ainda é cedo para especular quem será seu adversário.
“Uma eventual mudança de governo, que acelere o ajuste fiscal, pode criar um ambiente mais favorável para o mercado brasileiro nesse momento de redefinição do cenário global”, pontua.
Conclusão: mais volatilidade, mais estratégia
A nova ordem mundial exige atenção redobrada e planejamento. O investidor que entender o novo jogo geopolítico, souber alinhar objetivos com horizonte de tempo e buscar diversificação olhando além dos EUA terá melhores condições de atravessar esse novo ciclo com resiliência.
“Trump está reescrevendo a história”, diz Kautz, e isso pede uma nova forma de investir.